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Valter Mattos

Valter Mattos
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segunda-feira, 25 de março de 2013

Pau para Toda a Obra




Uma verdadeira Fênix; toda a vez que muitos pensam que está prestes a morrer, renasce das cinzas. Estou falando da Igreja Católica, e poderia enumerar muitos casos que ilustram o que acabei de afirmar, como, por exemplo, aquilo que ficou conhecido nos EUA, de finais dos anos 60 do séc. passado, como Renovação Carismática Católica ou simplesmente Movimento Carismático; com práticas semelhantes às das igrejas protestantes pentecostais, onde a Eucaristia preside quase tudo em importância, se recebe o Espírito Santo e se “fala em línguas”, dentre outras coisas.
Aqui no Brasil tal movimento entra um pouco depois, na década seguinte de seu surgimento norte-americano; ou seja, no início dos anos 70, chegando ao auge com os clérigos cantores, como o Padre Marcelo e companhia. Na época, empiricamente, percebi que o Movimento Carismático estava desalojando, em termos de importância, a Teologia da Libertação – pelo menos na América Latina, de onde é originária. Com sua opção política e ética, de esquerda, pelos pobres (influenciada por uma pedagogia teológica da ação, pelo Concílio Vaticano II (1962-65), pela Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino Americano, em 1968 na cidade de Medellín, etc.), essa tendência teológica foi acusada de materialista, marxista e tudo o mais que o pensamento conservador rejeita. A cúpula da Igreja em Roma reagiu; e sob a acusação de substituir o pecado individual pelo institucional, coletivo e sistêmico (por exemplo, um Estado que, com sua política econômica a serviço dos mais ricos, promove a pobreza, é uma instituição pecadora), puniu os padres que pregavam coisas como “a luta-de-classes” em seus sermões. Para a Igreja, parece que não interessava muito que seus religiosos fincassem os pés na realidade concreta, pois seu objetivo é espiritual; e assim, padres carismáticos, voltados para o interior metafísico daquilo que produziria a fé, eram mais úteis ao rebanho – não discutamos a pobreza da carne e sim a da alma.    
Pois é, a nossa Fênix – é óbvio – tem uma História. Já foi, de início, uma religião de escravos no Império Romano; e deste herdou, por quase toda a Europa Centro-Ocidental do medievo, um poder que se não era de Estado se fazia presente em tempos de muita descentralização política. A Igreja medieval funcionava como uma grande “Senhora Feudal”; mas não saiu incólume da crise do feudalismo e do renascimento comercial urbano do final da Baixa Idade Média. Nos primeiros anos da Época Moderna, homens como Lutero e Calvino lhe subtraiam os fiéis. Claro que reagiu. Medidas foram tomadas no Concílio de Trento e o Papa oficializou, transformando em ordem, a Companhia de Jesus, criada por Ignácio de Loiola após as Cruzadas.
Os jesuítas eram novatos enquanto ordem, se comparados a franciscanos, dominicanos e beneditinos; porém, levavam para a Igreja a fama de sérios, dedicados, estudiosos da palavra  e zelosos da hierarquia, e por isso ficaram conhecidos como “os soldados de batina”. É claro que a oficialização da nova ordem era uma estratégia de moralização da Igreja, envolvida em escândalos relacionados às mais variadas práticas de “simonia”, como a venda – e não a prática – de indulgências.  A partir de então, com sua obediência incondicional à Santa Sé, trouxe para si a responsabilidade, como missionária, da catequese para o “Novo Mundo”. No caso do Brasil do século XVI, em São Paulo, foram os jesuítas que, por exemplo, fundaram a nossa primeira escola (foram tão importantes no mundo lusitano, que o Marquês de Pombal, em meados do séc. XVIII – o das “Luzes” –, na busca da modernização da estrutura política e econômica de Portugal, os expulsou de todo o território português, no reino e no além-mar, sob o pretexto de serem arcaicos etc.).
Alguns séculos se passaram; e a Igreja de Roma, mais uma vez, se vê envolta em escandalosas denúncias, como os casos infames de pedofilia. E um papa germânico, sisudo, possuidor de, não menos, quatro doutorados não é capaz – ou pelo menos não o quis – de moralizar a igreja. Não se trata somente de moralização; temos também o fato de o mundo ter mudado muito. Uma individualidade mais acentuada (quiçá para além do que previram os mais radicais liberais de outrora) libera o indivíduo para ser o que queira ou acredita ser; não se constrangendo mais com o que a sociedade diz ou quer que ele seja; e a Igreja não está atenta a esta mudança. Ou se está, não aceita; haja vista, por exemplo, se pronunciar contra o casamento gay.
E o Papa germânico renuncia (botando mais lenha na fogueira com seu misterioso dossiê). A escolha do novo Pontífice foi pautada por, no mínimo, estas duas exigências; um misto de moralização e modernidade (ainda que nem todos os cardeais a queira). Uma autoridade eclesiástica que consiga conciliar, ao mesmo tempo, o punho forte contra os desmandos dos escândalos sexuais e de corrupção, de um lado, e a mão estendida aos novos ventos contemporâneos (modernos ou pós-modernos), de outro.
Creio que a escolha não recaiu em nenhum nome que contemplasse, de fato, estas duas necessidades – em conjunto ou isoladas. Mais uma vez a Igreja recorreu, como no século XVI, àqueles que de fato pode contar: os jesuítas; eles, de fato, para a Igreja, são “pau para toda a obra”. A escolha do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, a meu ver, significa escolher alguém disposto a lutar pela Igreja, pela sua defesa, e com as características de luta da Companhia de Jesus: disciplina, lealdade, moralidade, o ensino religioso e a catequese conquistando mais almas em momentos de fragilidade da Igreja (no passado, acuada pelas críticas e denúncias, verdadeiras, dos protestantes; hoje, pressionada pelas exigências e necessidades contemporâneas, outrossim verdadeiras, da opinião pública).
Não entrarei na polêmica sobre seu passado de conivência ou não com a ditadura argentina, já que uma das mais importantes e intensas acusações vem de um colaborador do Governo Kitchener, do qual o Papa Francisco se mostrou desafeto; portanto, pode, nesta acusação, estar pesando algum tipo de parcialidade, e não quero ser leviano. (Apesar de que me parece consensual, para muitos – não a maioria; mais um número não desprezível –, de que pelo menos a omissão, quantos aos crimes da ditadura argentina, não seria, para o atual Francisco, uma injusta afirmação). Polêmicas a parte, o fato é que o Papa jesuíta, como era de se esperar, está se saindo muito bem. Mostra-se exatamente como “o oposto” do que fora Ratzinger (na verdade sem o ser; nem um nem outro querem mudanças radicais na Igreja); é simpático, piadista, bem humorado, beija criancinha na praça etc. – e isso não importando muito que esteja se expondo ao perigo; imaginem um atentado de um extremista qualquer que venha assassiná-lo, mergulhará não só a igreja mais todo o mundo em uma profunda crise; ele não pode se esquecer que sobre seus ombros pesam muitas responsabilidades.
Joga para a torcida (e talvez esteja sendo sincero), afinal é comum entre os populares que seus líderes apareçam sem “frescuras”; alivia o núcleo duro da cúpula episcopal, pois tudo indica que reformas radicais não virão; e responde aos anseios dos setores “médios” da “opinião pública” internacional com seu posicionamento – correto (diga-se passagem) – contra a pedofilia na sua Igreja. No entanto, mais uma vez, quiçá, a Igreja perde a oportunidade de entrar no séc. XXI, quando este clama pelos direitos das minorias que se autoproclamam em novas identidades subjetivas – e por isso são agredidas física e moralmente. Já perdera a oportunidade, na segunda metade do século passado, de se sintonizar com as tendências progressivas da “sociedade mundial” do Ocidente, quando existia uma preocupação um pouco mais acentuada em se criticar os saldos negativos, na conta dos trabalhadores, provocado pelo Capitalismo (pelo menos até o início da “década perdida”).
Em termos das ideias mais profundas, além de ações meramente pragmáticas, penso que os mais importantes teólogos do Cristianismo, sobretudo católicos, desde o medievo, pelo menos (e neste período a Teologia continha a Filosofia, e não o contrário, como hoje), acompanhem, pari passu, a produção filosófica de maior importância no Ocidente. Creio, igualmente, que neste sentido, o Cristianismo supere as outras duas grandes religiões concomitantemente confessionais e monoteísta, com as quais tem parentesco, o Judaísmo e o Islamismo. Começando do começo, na Idade Média, duas grandes tendências do pensamento teológico católico dividiram as atenções de seus fiéis (e cada uma delas cheias de variáveis). Na Alta Idade Média temos a continuidade dos primeiros passos, dados por pensadores do Império Romano, nesta direção: a Patrística, como é conhecida por muitos. Nesta tendência destaca-se Santo Agostinho, em cuja obra se percebe uma grande influência do idealismo platônico, como era de se esperar de um pensamento religioso; sendo que, em resumo, a Ideia de Platão para Agostinho é Deus – daí a concepção, absoluta no século XVI por Calvino, da predestinação para a salvação da alma. O apóstolo mais consultado não poderia ser outro do que Paulo, que não conviveu com Jesus quando este era vivo e mesmo assim deste recebeu o chamado (“Por que me persegues?...”).
Na Baixa Idade Média temos a Escolástica e, obviamente, sou obrigado a me referir a São Tomás de Aquino. Neste autor percebo um certo traço peculiar no que, pretensiosamente, denominarei de “a tradição materialista do pensamento filosófico” – como antítese à “tradição idealista do pensamento filosófico” (também uma pretensão minha). Concebo a primeira como vindo, em suma, de Aristóteles, São Tomás de Aquino, Locke etc., e chegando ao seu expoente máximo, Marx. A segunda, também em um resumo muito precário e esquemático, teria origem em Platão, Santo Agostinho, Calvino, Descartes, Kant, Hegel (sendo que este, só para confundir, em muito entusiasmou a Marx) etc. Como conciliar – esta é a “peculiaridade” – materialismo e fé religiosa? Tomás de Aquino conciliou, com sua concepção oposta a da predestinação. Para ele, e todos os outros escolásticos, a salvação da alma vem da combinação de duas coisas: ter  e ser um Bom Cristão. Este último aspecto significa praticar “boas obras” (caridade para com os mais pobres – segundo os ensinamentos de um determinado Cristo, isso depende de quem lê –, não praticar o lucro e sim o “preço justo” no comércio etc.); e quanto à fé, diferentemente do que pensam Agostinho e Calvino, é uma escolha do indivíduo e não uma dádiva de Deus.
Ambas as tendências expressavam o que se vivia nos contextos de onde eram originárias, e, dialeticamente, também influenciaram estes contextos. A reclusão feudal da Alta Idade Média não poderia fornecer outro ambiente filosófico do que o da contemplação quase que irrestrita ao mundo das ideias; já o intenso renascimento comercial urbano, advindo, como já disse mais acima, da crise do feudalismo que experimentava a Baixa Idade Média, colocou o homem europeu em contato com uma realidade, concreta, prenhe de vida social; e o pensamento intelectual, científico, artístico e teológico, não poderia ficar imune a isso. Aquino, neste contexto, percebeu que a Igreja tinha obrigações sociais (talvez não com este linguajar contemporâneo que uso – desculpem-me se sou anacrônico), e fez uma opção ética no seu entendimento sobre o que é religião, conciliando fé e razão, dando ao cristão o princípio da Vontade, da Ação etc. Entendo isso como um avanço no pensamento Cristão; que retroagiu, contudo, nos primeiros anos da Época Moderna com algumas das concepções protestantes. Para Lutero, somente a Fé salva – descartando as preocupações sociais das “boas obras”; e para Calvino, pior ainda, os homens são escolhidos por Deus para serem salvos ou não; retirando-lhes a Vontade, racional, e a Ação, ética. Calvino, de uma família de comerciantes franceses, diz que os sinais de que Deus nos escolheu para a Salvação são: a) se apresentamos fé (e ele inverte as coisas, pois não escolhemos ter fé, é Ela que nos escolhe) e b) se temos lucro; que por sinal, para ele, “é divino” (para Aquino é pecado). Os sinais da danação da alma, dentro desta lógica calvinista, se dão no oposto: pobreza e falta de fé.
Jorge Bergoglio fez uma homenagem a Francisco de Assis; homem que viveu no início da Baixa Idade Média e que rompeu com os poderes econômicos e políticos instituídos em sua época, optando pelos valores da Natureza, plantas, animais e o homem como parte disso tudo. Sua revolta, radical, era contra ao abandono destes valores; e no caso dos homens, a pobreza que os atingia, tanto da alma quanto do corpo. Não foi à toa que Francisco criou um ordem mendicante, os franciscanos. Tomás de Aquino não era franciscano, mas foi dominicano, outra ordem mendicante criado quase na mesma época por São Domingos. O Papa Francisco se disse a favor dos pobres; que bom. Mas isso não pode ser somente um discurso oficial e estratégico da Igreja; é necessário também que venha a agir concretamente contra a pobreza, escolhendo bem os exemplos que a própria História do Cristianismo pode lhe fornecer. Francisco de Assis e Tomás de Aquino, no mínimo, seriam um bom começo.

2 comentários:

  1. Valter, sem ser romântico, eu acredito que, neste conclave, a força do sobrenatural atuou. Não vejo a atuação jesuítica como algo orquestrado, pelo mesno neste momento da História. A escolha do nome Francisco já é um programa de governo. Estou esperançoso. Vale lembrar que, segundo contam, a Cruz de São Damião pediu a Francisco de Assis que reconstruísse a Igreja. Acho que será um governo de equilíbrio entre o academicismo de Ratzinger e a experiência pastoral de Bergoglio. Aguardemos.

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  2. Amigo Roberto, espero que sim. Talvez eu tenha sido muito racional, etc. Um abração, Valter.

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Muito Obrigado pela consideração, Valter Mattos.